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quinta-feira, 30 de abril de 2009

RITO DO IRMÃO PEQUENO

a Tiago Calil



Meu irmão pequeno é bonito como a cotovia.
Lembro-me de ti, como um pequeno passarinho.
Cedo vieste em ovo, repousado sobre o ninho.
Cortava-me a alma não poder romper a casca, para que nasceste sem dor.
Mas era teu trabalho, com o próprio bico, para não ser vitima mais tarde;
De algum predador.

Inspiro meu destino em ti, irmão pequeno.
E busco em teus olhos o reflexo de uma vida que já não tenho.
Vida que já não é minha, desde o romper da casca.
Vida nossa, irmão pequeno.

Lembro-me dos pés sujos pela terra vermelha.
Grande pé de manga recostado sobre a lajota.
Vamos caçar rolinhas, irmão pequeno.
Que teremos boas horas sem razão.
E nem bem o sol se põe no horizonte.
Os ventos balançam as folhas no pé de tangerina.
Mal sabemos que dia é, quanto mais, que horas são.

Talvez lhe faltem medalhas, irmão pequeno.
Como a mim sempre faltou.
Jamais fui campeão de matemática, ou o melhor nadador.
Mas sobra-lhe a malandragem;
A malícia e a coragem.
Sabes a hora de dar um belo safanão nas fuças da vida.
Antes que ela lhe passe uma rasteira.

De braços dados, irmão pequeno.
Já não sei porque razão não me sinto.
De braços dados, se cortastes o dedo.
Sangro eu.
De braços dados não sei onde meu corpo se finda.
Para dar inicio ao seu.

“E se tiver de chorar, chora irmão pequeno.
Quando houver chegado o momento da dor.
A própria dor é uma felicidade…
Não escuta as árvores fazendo a tempestade berrar?
Valoriza contigo bem estes instantes
Em que a dor, o sofrimento, feito o vento,
São consequências perfeitas, das nossas razões verdes.
Da exatidão misteriosíssima do ser.”

Hoje estamos distantes, irmão pequeno.
Mas não longe o bastante para minhas pálpebras não se humedecerem
Quando choras.
Não longe o bastante para meus ossos não doerem quando sentes frio.
Não longe o bastante para não me recordar todos os dias;
Os nossos dias.